Como escrever a História

10/05/2017

A HISTORIOGRAFIA, como observou Michel de Certeau, traz no próprio nome o paradoxo das mediações entre "história" e "escrita". Refletir sobre o discurso por meio do qual tempo e história se revestem de inteligibilidade significa debruçar-se sobre problemas de método que preocuparam e ainda preocupam os historiadores.

No início do século XX, essas questões articularam-se ao delineamento e à qualificação de campo específico de conhecimento, sendo acompanhadas, naquele momento, pela crítica à história-memória nacional que havia marcado o século XIX. Desde então, de modo recorrente e por intermédio de vertentes teóricas diferentes, os historiadores não cessaram de interrogar os procedimentos de "fazer a história", perscrutando o lugar de produção do saber histórico, as práticas que o disciplinam e a construção das narrativas que o registram e divulgam. É possível tomar como marcos desse intenso embate contribuições legadas por Lucien Febvre e Walter Benjamin. A despeito das particularidades de suas obras e dos percursos divergentes que traçaram, ambos sublinharam a intervenção do historiador na fabricação e seleção dos "fatos" e o peso do presente na definição das formas a partir das quais o passado seria interrogado. Alertaram, também, para as implicações históricas e políticas da "convicção realista", segundo a qual passado e história seriam um banco de dados à disposição do analista que, munido de objetividade e imparcialidade, poderia descrevê-los e deles se apropriar. Voltaram-se, assim, diversas ordens de questionamento: as relações do historiador com suas fontes; as mediações pela quais temas e problemas são recortados e investigados; e, de modo especial, tradições historiográficas que ora conduzem à repetição do saber consagrado pela história-memória nacional ora promovem a identificação do presente com o passado que se pretende compreender, realimentando sob formulações aparentemente inovadoras pressupostos que se supõem abandonados. Essas questões foram reformuladas e assumiram novos contornos, nas décadas de 1970 e 1980, por intermédio, entre outras, das obras de Jacques Le Goff e Michel de Certeau. Destaque particular merecem os cinco monumentais volumes de Les lieux de mémoire, coletânea dirigida por Pierre Nora e que reuniu estudos destinados a inventariar e reconstituir os fundamentos políticos, intelectuais e institucionais da história da nação francesa, cujo marco inaugural foi a Revolução de 1789. No momento em que se prepararam as celebrações dos duzentos anos da Revolução, uma das propostas em pauta foi a de discutir as condições de produção de uma nova história nacional, contraposta àquela do século XIX. O conceito de "lugar de memória", elaborado na dupla acepção de instrumento de investigação e categoria histórica, surge como estratégia para avaliar a probabilidade de uma escrita da história da nação, capaz de fazer face às exigências acadêmicas da História e às demandas geradas pela experiência de um tempo acelerado, assinalado por contraditórias vinculações entre obsolescência e museificação, entre memorização e esgarçamento de vestígios materiais e culturais.


Fonte.: Como escrever a História? Cecilia Helena de Salles Oliveira.

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